Imortalidade
É neste sentido que a Filosofia con- duz a alma para a sua purificação e morte, isto é, o exercício filosófico conduz a alma a soltar os grilhões que a prendem ao corpo, faz que ela reflita sobre sua condição decadente no mo- mento em que está atrelada a este, observando um mundo dado como real, quando deveria estar contemplando o ideal no mundo inteligível junto com ou- tras almas. Assim, "o corpo é proposto à alma como uma matéria que ele deverá incessantemente modelar à sua própria semelhança, depois que ela própria tiver imitado as formas. A alma tem por incumbência introduzir em si própria e no corpo leis imutáveis da harmonia que reinam sem contestação no mundo celeste"
Deste ponto, a alma volta-se a si mesma recordando o que antes con- templou no mundo inteligível (reminis- cência) quando ainda não estava ligada ao corpo, já que este a engana e impede que ela contemple a verdade. A alma, atrelada ao corpo, recupera gradativamente a impressão claramente inculcada nela pela ação causal da forma, ou seja, a alma busca relembrar as impressões que lhe foram fixadas quando residia no mundo celeste e estava em convívio com as idéias.
Em Platão, a imortalidade da alma pode ser demonstrada por meio de que, se a alma, após a morte do corpo, volta a contemplar as forma, ela sobrevive e o corpo perece. Logo, a alma é imortal.
Pelo exercício da Filosofia, a alma pode voltar-se a si mesma, desligando-se do corpo e atingindo o puro, o eterno, o ideal - as formas
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| A Morte de Demóstenes, de Camille F. Bellanger. Para Platão, a morte não deve ser encarada com medo ou receio. Ela representa a possibilidade de encontro com a perfeição |
Tudo o que existe deriva de seus contrários, como, por exemplo: o belo e o feio; o feio é uma privação da característica do belo, isto é, mantém certa distância da forma ideal do belo. Assim, não há a forma do feio, mas somente a forma do belo. Estendendo isso à alma, tem-se que a vida gera a morte e vice-versa, ou seja, a alma concebe vida ao corpo, este perece e a alma sobrevive. Logo, ela é imortal e indestrutível. No diálogo Fédon, Platão exprime uma demonstração acerca dos contrários que prova a imortalidade da alma do seguinte modo: tem-se que o número três é ímpar, já o número dois é par; o primeiro não é o contrário do segundo, mas o número ímpar é o contrário do número par. Logo, as coisas possuem em si os seus contrários, mas não os aceitam. O três não aceita a paridade e o dois não aceita a imparidade.
Desta forma, a prova da imortalidade da alma se estabelece considerando que o corpo aceita a alma, que lhe concebe a vida, sendo que o contrário da vida é a morte; porém, a alma não aceita o seu contrário, portanto, a alma é imortal. Além disso, Platão considera que: se o ímpar fosse indestrutível, elevando isto à alma, ela seria também indestrutível. Sendo assim, o conceito de imortalidade exclui a destruição (morte), portanto, a alma retira-se do corpo no momento em que a morte se aproxima. Logo, a alma é imortal e, não obstante, indestrutível.
Vida em ciclos
Do mesmo modo, encontra-se em Montaigne a afirmação de que "a morte é a origem de outra vida" , pois vivemos em uma circularidade, ou seja, viver para morrer, morrer para viver, um círculo de começo e fim que sempre se repete como as estações do ano, às quais Montaigne utiliza como metáfora para demonstrar a constância de nossas vidas estabelecidas em: infância, adolescência, idade viril e velhice do mundo. Montaigne explica que a morte de um corpo prescreve a origem de outra vida, o que equivale dizer que uma alma deixa um corpo para vivificar outro, afirmando, assim, a imortalidade da alma, em que um indivíduo morre para dar lugar a outro do mesmo modo que outro o fez.
Deste contexto, observamos que a alma só poderá contemplar o que an- tes havia contemplado quando se liberta do corpo, que é perecível. E, sendo imortal, alcança a pureza das formas e atinge o verdadeiro conhecimento. Assim, "[...] se alguma vez quisermos conhecer pura- mente os seres em si, ser- nos-á necessário separar- nos dele [corpo] e encarar por intermédio da alma em si mesma os entes em si mesmos [...] nos há de perten- cer aquilo de que nos declaramos amantes: a sabedoria. Sim, quando estivermos mortos [...] porque nesse momento a alma, separa- da do corpo, existirá em si mesma e por si mesma - mas nunca antes".
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| A alma de um monge, de Giovanni Battista Crespi. A alma, presa ao corpo, se degrada, estando impedida de contemplar as formas perfeitas. A morte é uma libertação da alma |
O homem estará mais próximo da sabedoria quanto mais afastado esti- ver do corpo e, neste sen- tido, desfeitos os laços que o unem ao corpo, o homem atingirá a pureza da verdade conhecendo de maneira distinta aquilo que verdadeiramente é, ou seja, conhe- cendo as formas ideais das coisas que observa como sombras no mundo real. A Filosofia possui a função de libertar-nos e purificar-nos. Assim, é por meio do exercício filosófico que o homem pode alcançar o mundo ideal, pois a Filosofia busca a verdade, do mesmo modo que a alma tende a afastar-se do corpo para não ser corrompida e voltar-se a si mes- ma para alcançar o verdadeiro.
Em Platão, tem-se que a Filosofia busca persuadir as almas a se despren- derem dos sentidos, mostrando a ela o quanto é ilusório o conhecimento através dos olhos do corpo e recomenda que se voltem para si e confiem nelas mesmas,
aquele que busca a verdade deve, o quanto antes, libertar sua alma dos grilhões do corpo. isto é, buscar a verdade equivale a preparar-se para morrer.
Observando com os próprios olhos aquilo que é inteligível, necessário e verdadei- ro. Diante disso, podemos afirmar que a alma antes de se encontrar com a Philo- sophia, permanece agrilhoada ao corpo sem a possibilidade de soltar-se, sendo obrigada a apreender as realidades falaciosas e não podendo retomar por si mesma o caminho da verdade, ficando em plena insipiência.
A alma é mantida prisioneira do corpo, sendo corrompida pelas inclinações corporais, não podendo libertar-se por si mesma. Sabemos, todavia, que ela vivifica o corpo, visto que este é um instrumento da alma, como afirma Goldschmidt . Logo, o homem é inteiramente alma, pois o corpo (como instrumento) possui unicamente a percepção da experiência sensível, que faz a alma ser despertada para relembrar as percepções que obteve das formas enquanto não ligada a ele. Ou seja, os sentidos corporais fornecem o impulso para o conhecimento obtido por meio da reminiscência. Entretanto, este conhecimento é falacioso e, desta forma, aquele que busca a verdade deve, o quanto antes, libertar sua alma dos grilhões do corpo. Isto é, buscar a verdade equivale a preparar-se para morrer. Se a Filosofia conduz à libertação da alma e se é somente pela morte que o homem pode se libertar do corpo, Platão afirma que: "em verdade estão se exercitando para morrer todos aqueles que, no bom sentido da palavra, se dedicam à Filosofia, e o próprio pensamento de estar morto é para eles, menos que para qualquer outra pessoa, um motivo de terrores!".
Como é sabido, no diálogo Fédon observamos que Sócrates não está triste em perceber que sua morte se aproxima, ao contrário, ele está em profundo contentamento, já que com a morte ele contemplará a maior felicidade encontrando- se com as formas, com os velhos sábios, com as pessoas de grande caráter, com os bons homens. Sendo Sócrates um grande sábio, pode-se observar que sua alma não tem medo da morte, pois a alma de filósofo se encontra sempre em reflexão, isto é, sempre se distancia do corpo em busca da verdade eterna no mundo celeste.
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| Platão, por Giovanni Pisano. Platão condena os sentidos como sendo ilusórios. Ele afirma que só por meio do intelecto (representado pelo pensamento filosófico), o homem pode ter acesso ao verdadeiro |



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