Sem Medo
Em Platão, a alma do filósofo é definida da seguinte forma:
"[...] ela acalma as paixões. Liga-se aos passos do raciocínio e sempre
está presente nele; toma o verdadeiro, o divino, o que escapa à opinião, por
espetáculo e também por alimento, firmemente convencida de que assim deve viver
enquanto durar sua vida, e que deverá, além disso, após o fim desta existência,
ir-se para o que lhe é aparentado e semelhante, desembaraçando- se destarte da
humana miséria!".
A alma nunca terá medo de separar- se do corpo e, segundo
Montaigne, Cícero afirmava que filosofar é preparar- se para a morte, pois o
estudo e a contemplação fazem a alma sair do corpo, logo ela se assemelha à
morte. Tendo sabedoria aprendemos a não ter medo da morte. Para Montaigne, não
devemos temê-la, pois feito isto, ela se torna um tormento e uma ameaça, porém,
devemos sempre estar preparados para recebê-la, já que a morte nos ataca
subitamente e nunca podemos prever a nossa hora.
Sendo a morte algo inevitável, é preciso meditar sobre ela,
aprender a recebela sem grandes
constrangimentos, pois, encarando a morte, o homem acaba se acostumando a ela.
Se aprender a habituar-se a ela, sempre pensar nela, tendo a morte presente a
todo o momento nos pensamentos, o homem estará pronto para morrer, sendo este o
esperado fim . "A meta de nossa existência é a morte; é este o nosso
objetivo fatal. Se nos apavora, como poderemos dar um passo à frente sem
tremer? O remédio do homem vulgar consiste em não pensar na morte".
Pós-morte
Em todos os momentos da vida, o homem não pode deixar de
pensar na morte, mesmo em momentos de puro deleite, pois ela pode o atacar de
diversos modos a qualquer instante. Entretanto, com a citação acima, quem não
pára de pensar em seu fim, nunca aproveita o que a vida lhe proporciona. Neste
sentido, Montaigne acrescenta que a própria natureza se encarrega de
familiarizar o homem ao esperado fim, visto que na vida ele aprende a receber
todos os tipos de males e superá-los. O homem caminha para a morte de forma
tênue quase que preparado para ela e aquilo que só ocorre uma única vez não
pode ser tão grave assim, pois a morte o livra daqueles males que recebe
durante a vida e viver pouco ou muito não faz diferença, já que do mesmo modo
deixará de existir
Com efeito, tanto em Montaigne quanto em Platão, a morte é
inevitável e preferível, visto que ela livra o homem dos males da vida e, não
obstante, das sombras do ideal. Logo, é inevitável não pensar na morte em
detrimento da vida, mediante o fato de que ela conduz a um mundo de verdade e
felicidade. Porém, não se pode tirar a própria vida, cometer violência para
consigo próprio, pois o homem é propriedade dos deuses, somente eles possuem o
poder de decidir sobre a vida dele, visto que ele vive em uma prisão e não pode
se soltar por si só.
Deste contexto, diante do fim, como saber para onde irá o
homem? Qual é o destino da alma? Neste ponto, a vida de cada um é responsável
pelo próprio destino, ou seja, as ações terrenas são levadas em consideração
como meio de entrada no mundo das almas (Hades). Por conseguinte, as melhores
almas serão conduzidas ao melhor lugar destinado àquelas que cultivaram a
justiça, a temperança, a coragem, isto é, ornamentaram-se com aquilo que é
próprio delas.
Segundo Goldschmidt, quando uma alma pratica o mal, ela o
faz a si mesma, ou seja, tudo o que é feito durante a vida determinará se a
alma merece ou não um lugar de plena felicidade (ao lado das formas), pois a
alma que outrora foi corrompida pelo corpo vagará no mundo inferior até que se
ligue a outro corpo merecedor do mesmo mal ao qual ela estava entregue.
Para Platão, a alma que viveu de forma sábia e pura,
encontrará no mundo das al- mas os deuses que servem como companheiros e guias
das mesmas, tendo como residência a morada adequada conforme sua vivência
anterior, sendo que essas almas foram purificadas pela Filosofia e colocadas no
reto caminho da verdade.
a alma é mantida prisioneira do corpo, sendo corrompida
pelas inclinações corporais, não podendo libertar-se por si mesma
Existem dois caminhos que podem ser seguidos pelos homens
para que suas almas ocupem os seus devidos lugares: cultivar os prazeres do
corpo ou despojar-se deles. No primeiro caso, o homem que alimentou os prazeres
corporais não conduzirá a sua alma ao lugar da eterna felicidade. Ao contrário,
no segundo caso, o homem que se despojou dos prazeres do corpo saberá com
certeza o caminho de sua alma. Sendo assim, os indivíduos devem dedicar-se ao
exercício filosófico, pois somente este pode libertar a alma do corpo que ao
longo da vida a depravou retirando-a do reto caminho que conduz à morada dos
deuses.
Diante destes fatos, a morte está presente em todos os
passos do homem, em todos os lugares e ele só pode salvar a sua alma
alimentando- a com aquilo que há de melhor em conformidade com as formas, e não
deve minimizar a dor da perda utilizando-se de expressões que encobrem o
verdadeiro sentido da palavra morte, como os romanos diziam no momento de sua
chega- da: "parou de viver"; caso este que, em nossos dias, não é
diferente, quando se utiliza a expressão: "partiu desta para melhor",
buscando aliviar a dor de alguém que perdeu algum ente querido.
Não é de se duvidar que a morte cause fraqueza, mas mesmo
assim o homem deve estar preparado para ela. Mas não deve deixar de fazer
certas coisas em detrimento de outras devido ao peso da morte. Deve conviver
com ela e aprender com ela, para que, diante dos momentos da vida, aproveite-os
como se fossem os últimos, sem temer o que o espera. Como vimos em Platão, com
a morte a alma contemplará novamente a verdade, o mundo perfeito (ideal) e,
desta maneira, façamos como Sócrates, fiquemos felizes com o fim que nos
espera.



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